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sábado, 26 de março de 2011

Prisões clandestinas recuperadas em Córdoba ajudam a entender o terror promovido pela ditadura argentina

O resgate da memória é um dos pilares da luta de organizações de Direitos Humanos da Argentina para reivindicar a justiça pelos crimes promovidos por agentes de repressão a partir do golpe militar do país. O fato, que completa 35 anos nesta quinta-feira (24/3), deu início a uma ditadura militar (1976-1983) e deixou um saldo estimado de 30 mil pessoas desaparecidas. 

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“Recordar para que não volte a acontecer”, defendem os ativistas, que se dedicam a recuperar Centros Clandestinos de Detenção (CCDs) em todo o território argentino e escutar testemunhas que passaram por cada um destes obscuros lugares. O objetivo é tentar recompor o quebra-cabeça do passado, cujas peças restantes foram intencionalmente eliminadas pelas autoridades da época. 

Vista de cima das celas de um dos Centros Clandestinos de Detenção em Córdoba 


Lentamente, provas vão sendo recuperadas, ex-presos torturados perdem o medo de contar o que sabem e novas evidências surgem para esclarecer questões cujas respostas foram mantidas em sigilo durante anos. Grande parte desta recomposição está exposta nos centros de memória, que passaram a ser financiados pelo governo a partir da gestão do ex-presidente argentino Néstor Kirchner, responsável pela incorporação dos Direitos Humanos como política de Estado na Argentina. 



Para ajudar a quem busca conhecer a dimensão e os impactos dos anos de chumbo no país vizinho, oOpera Mundi preparou um roteiro do circuito da repressão em Córdoba, uma das províncias mais marcadas pelo terrorismo de Estado, com as principais ex-prisões clandestinas recuperadas e abertas à visitação do público. 
Arquivo Provincial da Memória
Localizado no centro da cidade de Córdoba, este lugar, conhecido como D2, funcionava como Departamento de Informações da polícia da província de mesmo nome. Estima-se que, durante os anos 1970, cerca de mil pessoas tenham sido mantidas clandestinamente no local, um ponto de passagem antes da transferência para CCDs maiores, como La Perla e La Ribera.

Uma das características mais marcantes do lugar é sua localização ao lado da catedral da cidade, o que mostra a conivência da Igreja Católica com as ações repressivas e violações aos direitos humanos perpetradas no período. Segundo relatos de ex-detidos, muitos abusos eram cometidos à luz do dia, na rua entre a lateral da catedral e do centro clandestino. 

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Hoje, o lugar é mantido como prova das torturas e assassinatos cometidos na época, por conservar escritos dos militantes nas paredes, vestígios de celas e de um porão onde os mesmos eram amontoados, sempre vendados e acorrentados, e da sala de interrogatório, onde eram sistematicamente torturados.

As paredes estão repletas de trechos de depoimentos de pessoas que foram mantidas no local durante a repressão, relatando procedimentos de tortura, como o “submarino”, que consistia na imersão da cabeça dos interrogados em uma mistura de água, urina e fezes.

Na biblioteca, o visitante pode folhear livros e revistas proibidos no período. Além de exposições itinerantes sobre direitos humanos, o arquivo mantém uma sala permanente com objetos pessoais de mortos e desaparecidos com passagem pelo local.

De tempos em tempos, Juan Carlos Álvarez, recepcionista do centro e ex-preso político, recebe pessoas que estiveram nesta cadeia clandestina, e, depois de anos, perdem o medo das más recordações e decidem visitar o lugar.

La Perla

“Enquanto batem nela, gritam que vão matar a criança que ela tem no ventre. Insultam-na e a ameaçam permanentemente. Em dado momento, lhe dizem: ‘Você está desaparecida em La Perla. Daqui, nem Deus, nem o papa, nem o presidente te tiram’”, relata um depoimento publicado no livro Nunca Mais, derivado de um informe elaborado em 1984 pela Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas.

O relato é apenas um dos exemplos do que pôde ser descoberto sobre as práticas de tortura física e psicológica das cerca de 2.500 que passaram por este CCD, o maior da província de Córdoba. O local funcionou como epicentro de prisão e extermínio de presos políticos entre 1976 a 1978 e, a partir de 2009, foi transformado em um centro de recuperação da memória. 



Mural feito por estudantes no CCD de La Ribera, em Córdoba 



La Perla era composta por quatro edifícios com fachadas de tijolos, comunicados por uma galeria. Um dos prédios, conhecido como “A Quadra”, abrigava os presos políticos, ao lado de quatro salas de interrogatórios. Um cartaz na sala de torturas anunciava: “Sala de Terapia Intensiva – Não se admitem doentes”. 



Segundo relatos publicados no livro Sobreviventes de La Perla, os prisioneiros eram transportados por um caminhão batizado de “Menéndez Benz” (em alusão ao general Luciano Benjamín Menéndez, comandante de várias províncias, entre elas, Córdoba) a campos ao redor do centro, onde eram assassinados. “Eles eram retirados do veículo e obrigados a ajoelhar-se diante de um poço e fuzilados. Nestes fuzilamentos, participavam oficiais de todas as unidades da região, de subtenentes a oficiais”. 

Estima-se que um mega-julgamento dos acusados de crimes no local terá início em maio deste ano, sem previsão de rápida conclusão, devido à grande quantidade de testemunhas e réus que serão escutados. 

Campo de La Ribera 

Depois de ser utilizado como centro clandestino da prisão durante a ditadura, este lugar chegou a funcionar como uma escola no período democrático, com a adaptação das antigas celas como salas de aula. Por esta razão, o prédio foi parcialmente reformado e muitas das evidências que serviriam como provas foram perdidas. 

O local foi aberto à visitação em 2010, na tentativa de recuperação de algumas das evidências que podem servir para novos processos contra agentes de repressão. Segundo relatos de testemunhas, havia divisão entre os pavilhões de homens e mulheres. Como do setor feminino era possível ver a entrada do local, as presas comunicavam a seus companheiros, através de discretos gestos manuais, a aproximação dos militares às celas. 

Grandes tanques, um ao lado do outro, ainda intactos, eram usados para a prática do “submarino”. As galerias de celas circundam um grande pátio, hoje com algumas árvores, de onde ainda se pode observar um posto de vigilância e uma parede com uma série de ganchos alinhados onde, segundo alguns relatos, os presos eram pendurados e, posteriormente, fuzilados. 

Como na maioria dos CCDs, as pessoas levadas a La Ribera configuravam como “desaparecidas”, pois as autoridades militares não revelavam nenhuma pista de seus paradeiros. Os ativistas de organizações de direitos humanos que trabalham no local suspeitam que, em um raio de poucos metros do edifício, fossas coletivas tenham sido utilizadas como depósito de corpos. 


Fonte: operamundi.uol.com.br

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